As vozes gritavam-lhe de dentro.
Podia sentir o tilintar de sinos na sua cabeça. Fechou os
olhos fortemente tentando abafar o som. Entrou em casa – nem a luz acendeu.
Percorreu a bruma como quem faz o seu caminho de volta a casa. Despiu-se. O
corpo nu, branco… suspirou… ao vazio… ao ar gélido da solidão.
Deitado, fixou o tecto, de olhos já habituados à negritude,
observou os reflexos dos carros, as formas de luz que lhe fugiam. Imaginava-se
como uma dessas luzes, fugazes, aparecendo e desaparecendo, passando entre
janelas e portas, vendo a vida das pessoas, espreitando os seus mistérios. Por
muitas vezes perguntava como seria a vida de outros, o que sentiam, o que
faziam, como viviam…
Queria penetrar-lhes as mentes, conhecer o interior…
Queria sugar-lhes tudo… e conhecê-los.
Ele sabia que era todos eles, e que tudo era ele, sabia que
num passado teríamos todos partilhado um único ser - queria conhecer os seus
outros “eus”.
Adormecer… parecia-lhe tão acertado, tão reconfortante….
Perder-se num sono profundo, na completa escuridão. Sentir o
frio mental, a pureza do descanso… Imaginava o que seria adormecer eternamente,
sonhar sem fim, viver em todos os mundos, provar todos os sabores. Poderia
mergulhar nas águas gélidas e nas águas quentes, viver em todas as épocas e em
nenhuma. Percorrer o universo e contemplar uma estrela... uma estrela... uma brilhante estrela... enorme... além da sua visão...
...
Adormeceu por fim.
A noite continuou enquanto dormia, as luzes dos carros
continuavam a reflectir-se nas suas paredes. Pessoas passavam a rua.
Ele dormia, por entre o negro feixes de luz passavam-lhe a mente. Tantas cores e formas em constante mutação.
Como era bom por vezes não ver, o acordar só trás dor, é
certo.
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