quinta-feira, 25 de outubro de 2012

em certa noite


As vozes gritavam-lhe de dentro.
Podia sentir o tilintar de sinos na sua cabeça. Fechou os olhos fortemente tentando abafar o som. Entrou em casa – nem a luz acendeu. Percorreu a bruma como quem faz o seu caminho de volta a casa. Despiu-se. O corpo nu, branco… suspirou… ao vazio… ao ar gélido da solidão.
Deitado, fixou o tecto, de olhos já habituados à negritude, observou os reflexos dos carros, as formas de luz que lhe fugiam. Imaginava-se como uma dessas luzes, fugazes, aparecendo e desaparecendo, passando entre janelas e portas, vendo a vida das pessoas, espreitando os seus mistérios. Por muitas vezes perguntava como seria a vida de outros, o que sentiam, o que faziam, como viviam…
Queria penetrar-lhes as mentes, conhecer o interior…
Queria sugar-lhes tudo… e conhecê-los.
Ele sabia que era todos eles, e que tudo era ele, sabia que num passado teríamos todos partilhado um único ser - queria conhecer os seus outros “eus”.

Adormecer… parecia-lhe tão acertado, tão reconfortante….
Perder-se num sono profundo, na completa escuridão. Sentir o frio mental, a pureza do descanso… Imaginava o que seria adormecer eternamente, sonhar sem fim, viver em todos os mundos, provar todos os sabores. Poderia mergulhar nas águas gélidas e nas águas quentes, viver em todas as épocas e em nenhuma. Percorrer o universo e contemplar uma estrela... uma estrela... uma brilhante estrela... enorme... além da sua visão...

...
Adormeceu por fim.
A noite continuou enquanto dormia, as luzes dos carros continuavam a reflectir-se nas suas paredes. Pessoas passavam a rua.
Ele dormia, por entre o negro feixes de luz passavam-lhe a mente. Tantas cores e formas em constante mutação.

Como era bom por vezes não ver, o acordar só trás dor, é certo.

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